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Até a foto divulgação é boa |
Existem séries que viram trends nas redes sociais e parece que não há como fugir delas. Confesso que, às vezes, fico um pouco saturada de ver o mesmo tema em tantos canais diferentes. Mas isso não vem ao caso. Em contrapartida, existem outras séries que são um achado e, por algum motivo, não "viralizam" da mesma maneira como as que estão na moda. Questionamentos à parte, me deparei com a minissérie Morrendo por Sexo (Dying for Sex), uma produção do FX disponível no Disney+, estrelada por Michelle Williams e baseada na história real de Molly Kochan, que, após ser diagnosticada com câncer de mama metastático em estágio IV, decide deixar seu marido e embarcar em uma jornada de autodescoberta sexual, explorando desejos que havia reprimido ao longo da vida.
Lendo assim, parece um grande drama, mas não é. E talvez seja esse o primeiro grande preconceito que se tem quando vemos que o tema é a finitude ou a iminência dela: a de que o telespectador terá uma sensação pesada, que a carga dramática será intensa. Me peguei várias vezes dizendo para mim mesma "ai, acho que preciso me preparar para ver isso", mas a verdade é que a obra teve tanta graça, delicadeza, sutileza na direção, roteiro e nas atrizes, que não teve como eu não me tornar uma admiradora e torcedora de Molly. A jornada que ela tem em se tornar a pessoa que ela já é, mas nunca se deu a oportunidade de ser, é tão envolvente que eu me sinto honrada de conhecer essa história.
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Fim do casamento. Tipos diferentes de luto |
Morrendo por Sexo é sobre liberdade, desejo, sexualidade, traumas de infância, relações de quem é cuidado e cuidador, rede de apoio e, sim, sobre a morte. Sobre o que deixamos e o que levamos. Sobre fechar ciclos em vida e sobre o mistério que nos ronda todos os dias...
Quando o desejo vira figura
Molly é uma mulher jovem, na faixa dos seus 30 anos, e está casada há pouco mais de 10 com o seu marido. Porém, desde que o câncer surgiu pela primeira vez, seu marido excluiu qualquer forma de sexualidade da vida de casados para se colocar no lugar de cuidador (quase que autoritário do corpo de Molly), inclusive estranhando o fato de ela sentir desejo. O corpo de Molly não é mais tocado, e quando o câncer retorna, ela compreende que nunca sentiu um orgasmo com outra pessoa.
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Exploração corporal |
Quando a morte deixa de ser uma abstração futura e passa a se tornar uma presença concreta, embora silenciosa, essa configuração muda para Molly: o incômodo da insatisfação sexual no seu casamento, que antes ficava no fundo e não tinha uma figura bem definida, agora grita por atenção, emergindo como uma figura potente e que demanda por um fechamento. É uma necessidade viva e, quando a urgência da morte se impõe, Molly passa a ouvir com mais clareza aquilo que sempre esteve ali, sussurrando: o desejo de se reencontrar consigo mesma através do prazer.
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A vergonha de não conhecer o próprio corpo |
A sexualidade, nesse contexto, não é apenas erótica — é existencial. É o modo como Molly volta a habitar seu corpo, a se permitir sentir, experimentar, escolher.
A vida de Molly muda drasticamente...
A coragem de ser quem se é
Agora realmente, sem tempo a perder, Molly abre mão de uma vida segura e previsível para viver aquilo que, de fato, faz sentido para ela: a experimentação em diversos aspectos. Na sexualidade, na forma de cuidado (que antes era desempenhado pelo marido de um jeito muito protocolar e agora tem todo um colorido diferente quando ela pede que sua melhor amiga cuide dela), na sua interação com as pessoas à sua volta, falando com elas de uma maneira mais espontânea e menos overthinking. Molly agora busca conexão genuína, mesmo que em alguns momentos isso a assuste e ela até recue algumas vezes. Porém esse é o processo dela e, no seu percurso, ela consegue estabelecer contato de formas diferentes com as pessoas. Isso a nutre, e ela encontra força e potência nesse lugar — se desconstruindo, se refazendo, se reconhecendo e se amando, em todas as suas singularidades.
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Submissão: uma forma de prazer |
A Gestalt nos lembra que o autoconhecimento não é um conhecimento limitado, mas sim uma construção que se faz enquanto estamos vivos. Não existem respostas definitivas nem receita de bolo sobre como viver a nossa vida. E um dos conceitos mais lindos da Gestalt-terapia é a Teoria Paradoxal da Mudança: quando eu deixo de resistir àquilo que eu sou, posso me tornar outra coisa. Quando Molly deixa de atender ao que acredita que os outros esperam dela (inclusive como os outros acham que ela deveria se portar durante a sua morte), ela deixa de ser a pessoa sem vida, sem força e sem potência para se tornar uma pessoa simplesmente encantadora e cheia de vida. Com coragem de viver o que é verdadeiro para ela.
O apagamento de quem cuida
A minissérie também fala da rede de apoio de Molly, como sua melhor amiga, Nikki. Presente, leal, amorosa. Entretanto, a série mostra o desgaste que vem acompanhado, muitas vezes, dos cuidadores. No caso de Nikki, vai para um lugar muito mais profundo, porque ela literalmente deixa de viver a vida dela (perde trabalho e o relacionamento com o homem que ama) para estar presente para Molly. Sei que não são todos os cuidadores que fazem isso, mas não exclui o fato de isso ser uma carga que pode ficar pesada, e que essas pessoas também precisam, muitas vezes, encontrar um apoio — um outro lugar onde possam repousar e se nutrir. Nikki exclui quase toda a sua vida para viver a de Molly, mas e quando esta se for? Nikki se perde um pouco na confluência, pois sim, uma parte dela se vai junto com o processo de desligamento de Molly. Mas é esta que lhe lembra: quem está morrendo sou eu, e não você. Ela vai viver. Que viva, então. E isso pode ser um ensinamento muito duro para quem fica, para quem cuida, para quem ama. Mas não menos necessário. A limitação de quem vive e de quem morre...
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Quem cuida do cuidador? |
Cuidar de alguém em fim de vida é um gesto de amor imenso. Mas também pode ser um caminho de desgaste emocional silencioso. A Gestalt fala da função de contato como aquilo que nos permite estar com o outro sem deixar de estar com a gente mesmo. Quando Nikki se anula, ela começa a perder seus contornos, seus ritmos, seus próprios desejos. Esse aspecto da série — quase um segundo luto — é sutil, mas doloroso. Afinal, quem cuida também precisa ser cuidado. 😉
Que gestalt precisa ser fechada?
Morrendo por Sexo não é uma série só sobre sexo. É sobre o desejo de viver antes que a vida se vá. É sobre ter coragem de ouvir o que pulsa, mesmo quando tudo parece desabar. É sobre a delicadeza da presença e a urgência do contato verdadeiro. É sobre encontrar beleza na vida e na morte. Não vou falar muito mais porque é uma série recente e não quero dar spoiler. Mas garanto: vale a pena tanto as risadas quanto as lágrimas (óbvio que eu chorei porque sou uma manteiga derretida).
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Um vizinho irritante e apaixonante |
Por conta desta série, veio uma pergunta viva para mim: e se fosse comigo?
Em que aspectos da minha vida eu não estou sendo autêntica? Consciente das minhas necessidades? Reconhecendo os meus incômodos? Em que lugares da minha vida eu estou perdendo tempo sem ganhar vida?
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Sobre as diferentes formas de amor |
E em você?
Que figura tem aparecido e você continua não reconhecendo a sua presença?
Que gestalt ainda está aberta, pedindo por fechamento?