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O charme da peruca rosa e da camiseta descolada |
O primeiro filme de Sofia que mexeu comigo foi As Virgens Suicidas. Achei incrível a sua capacidade de capturar com delicadeza e poesia a melancolia das meninas Lisbon. Talvez eu escreva sobre ele também mais para frente. Com a mesma maestria, a diretora consegue expressar na tela a dinâmica de Bill Murray e Scarlet Johansson.
Não é de se admirar que Murray rouba muitas cenas com o seu rosto e fala debochadas. Mas são nas cenas dramáticas que o famoso "caça-fantasma" brilha. Pela simplicidade da sua atuação. É nessa simplicidade que ele se encontra com Johansson.
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Só esse frame já é engraçado |
Murray é Bob Harris. Ele foi um ator famoso. Vai para Tóquio para fazer um comercial de uma marca de uísque. A vida não é do jeito que era antes. Seu casamento, depois de anos e dos filhos, não tem mais diversão e ele se percebe distante da esposa que parece só se voltar para ele para questões financeiras já que ele não está muito presente em casa.
Já Johansson é Charlotte. Ela acabou a faculdade de filosofia e não sabe o que fazer no âmbito do trabalho. Está casada há 2 anos e acompanha o marido, que é fotógrafo, em uma viagem para Tóquio, mas se sente isolada tendo em vista que expressa uma certa aversão pelo mundo do marido: um lugar com pessoas fúteis e um tanto quanto exageradas.
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A sensação de exclusão |
O título original em inglês é Lost em Translation e é essa sensação que ambos personagens passam: a de que o mundo está falando uma língua que não é a deles e com isso eles ficam perdidos. O Japão exemplifica muito bem isso. Até que Bob e Charlotte se encontram. A relação deles vai de conversas aleatórias e superficiais para profundas e divertidas onde eles podem ser mais autênticos um com o outro sobre as suas angústias, a falta de sono, a solidão e até o que cada um pode ajudar ao outro com a sua própria experiência de vida. Os personagens se conectam através do afeto e isso os transforma também.
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Outra forma de sensação de exclusão |
De acordo com Martin Buber, isso é um exemplo da relação terapêutica Eu-Tu, onde através do amor é possível estabelecer uma horizontalidade das pessoas na relação e com isso surgir uma conexão genuína e autêntica. Esta é capaz de fazer com pessoas amadurecem e cresçam o seu campo vital. É bonito de ver isso no filme. Existe um envolvimento dos dois que vai para além do que esperamos de um amor romântico Hollywoodinesco. Parece ser um amor verdadeiro, mesmo que (lá vem o spoiler), eles mesmos saibam que não ficarão juntos como um casal romântico. E não ficam. Como todo ciclo de contato, existe um começo, meio e fim e é o que acontece com eles. Cada um volta para a sua vida, porém, transformado. Não sabemos o que eles farão, mas sabemos que eles não são mais os mesmos ao final do filme.
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Um karaokê pode mudar a sua noite ou a sua vida |
Se por um lado a relação de Charlotte e Bob é um ótimo exemplo de Eu-Tu, a relação dele com a cantora do hotel onde eles estão é um magnífico exemplo de Eu-Isso. Para Buber, este tipo de relação é mais hierárquica, as pessoas não estão em pé de igualdade e geralmente existe um utilitarismo nessa relação. Quando Bob transa com a cantora, provavelmente para preencher um vazio da ausência momentânea de Charlotte, ele já se arrepende na hora. Outras relações Eu-Isso vão aparecendo no filme: A relação de Bob com a comitiva que está lhe acompanhando em Tóquio para que ele faça o comercial e até uma aparição em um programa de TV; a relação do marido de Charlotte com as pessoas que precisa trabalhar. São relações onde é necessário ter algo do outro. São relações importantes, mas não são relações que fazem crescer emocionalmente e nem que sejam terapêuticas. São relações necessárias.
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A intimidade de dividir o sono com alguém |
Recomendo muito esse filme para quem como eu ainda não tinha visto.
Mas e você? Já se atentou quando você tem relações Eu-Isso e Eu-Tu?